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quarta-feira, 27 de julho de 2011


Lição 5

O Reino de Deus Através da Igreja

31 de julho de 2011.

Dc. Rodrigo Marchiori.

Igreja Assembléia de Deus De Gravataí Dis. 8




. Igreja e Cultura


No processo de formação de igrejas, como na comunicação e recepção do evangelho, a questão da cultura é de vital importância. Se o evangelho deve ser contextualizado, a igreja também o deve. Na verdade. o subtítulo de nossa Consulta foi "a contextualização da Palavra e da Igreja na situação missionária".

a. Abordagens antigas e tradicionais

Durante a expansão missionária do princípio do século XIX, pressupunha-se, em geral, que as igrejas resultantes do trabalho missionário seriam moldadas nas igrejas dos países de origem. A ten­dência era reproduzir réplicas quase perfeitas. A arquitetura gótica, a liturgia, as vestes clericais, os instrumentos musicais, hinos e mú­sicas, processos de tomada de decisão, sínodos e comissões, supe-rintendenes e bispos; tudo isso era exportado e, sem imaginação alguma, introduzido nas novas igrejas fundadas pelas missões. Acres­cente-se que tais padrões eram também ansiosamente adotados pe­tos novos cristãos, resolvidos a não ficar para trás de seus amigos ocidentais, cujos hábitos e formas de adoração tinham sido por eles atentamente observados. Mas tudo isso se baseava na falsa premis­sa de que a Bíblia deu instruções específicas sobre tais assuntos, 2 que o padrão de governo, culto, ministério e vida das igrejas de origem eram modelos perfeitos.

Em reação a esse sistema de exportação monocultural, pensado­res missionários pioneiros, como Henry Venn e Rufus Anderson, em meados do século passado, e Roland Allen, no início deste século, popularizaram o conceito de igrejas "autóctones", que se­riam "autônomas, independentes e missionárias". Souberam defen­der bem seu ponto de vista, salientando que a política do apóstolo Paulo era plantar igrejas, não fundar "missões" no sentido antigo da palavra (um complexo de prédios, onde tudo se conformava aos padrões culturais dos missionários). Também acrescentaram ar­gumentos pragmáticos à argumentação bíblica, ou seja, que uma li­derança nacional era indispensável ao crescimento da igreja na ma­turidade e na missão. Henry Venn confiantemente esperava o dia em que as missões pudessem transferir toda a responsabilidade às igrejas nacionais; aí, então, o que ele chamava de "a eutanásia da missão" acabaria ocorrendo. Essas idéias tiveram larga aceitação e foram bas­tante influentes.

Entretanto, atualmente são criticadas, não por causa do ideai em si mesmo, mas por causa da maneira como ele tem sido aplicado. Al­gumas missões, por exemplo, têm aceitado a necessidade de uma li­derança autóctone e, com base nela, chegado até o ponto de recrutar e treinar líderes locais, doutrinando-os (a palavra é dura mas não in­justa) nas formas de pensamento e procedimento ocidentais. Esses líderes locais ocidentalizados têm então preservado uma igreja de aparência muito ocidental e a orientação alienígena tem persistido, só que um pouco disfarçada por sua aparência autóctone.

Agora, portanto, um conceito mais radical de vida eclesiástica autóctone precisa ser desenvolvido, através do qual toda igreja pos­sa descobrir e expressar sua identidade como o corpo de Cristo den­tro de sua cultura.

b. Modelo de equivalência dinâmica

Usando as distinções entre "forma" e "significado", e entre "correspondência formal" e "equivalência dinâmica", já desen­volvidas na teoria da tradução, e que comentamos na Seção 3, su­gere-se uma analogia entre a tradução bíblica e a formação de igre­jas. "Correspondência formal" fala de uma imitação servil, quer se trate de traduzir uma palavra para outra língua, ou de exportar um modelo de igreja para outra cultura. Exatamente como a "equiva­lência dinâmica", na tradução, procura levar a leitores contempo­râneos significados equivalentes aos propiciados aos leitores originais, usando formas culturais apropriadas, assim também procede a igreja da “equivalência dinâmica”. Ela está para sua cultura como uma boa rtadução da Bíblia está para sua língua. Ela preserva os elementos e funções essenciais que o Novo Testamento estabelece para a igreja, mas procura expressá-los em formas equivalentes aos originais, desde que apropiadas à cultura local.

Todos nós achamos esse modelo sugestivo e valioso e afirmamos decididamente os ideais que ele busca expressar. Esse modelo, com justiça, rejeita as importações de fora, bem como as imitações e as estruturas rígidas. Busca no Novo Testamento os princípios da formaçõa de igrejas, ao invés de ir buscá-los quer na tradição quer na cultura. E corretamente, procura na cultura local as formas adequadas para a expressão de tias princípios. Todos nós (mesmo os que vêem limitações no modelo) partilhamos a visão  que esse modelo procura descrever.

Assim, o Novo Testamento aponta a igreja como uma comunidade que adora a deus, uma comunidade de culto, um “sacerdócio santo, a fim de oferecer sacrifícios espirituais ... a Deus por intermédio de Jesus Cristo” (1Pe 2:5), mas as formas de culto (incluindo a presença ou ausência de diferentes tipos de liturgia, cerimônia, música, cores, drama etc) serão desenvolvidas pela igreja em harmonia coma cultura local. Semelhantemente, a igreja é sempre uma comunidade de testemunho e serviço, mas seus métodos de evangelização e seu prorama de envolvimento social certamente sofrerão variações. Além disso, Deus quer que todas as igrejas tenham supervisão pastoral (episkope), mas formas de governo e ministério podem diferir grandemente, e a seleção, formação, ordenação, serviço, pagamento e responsabilidade dos pastores hão de ser determinados pela igreja, de maneira a concordarem com princípios bíblicos adequando-se ao mesmo tempo à cultura local.

As perguntas que se fazem agora acerca do moedelo de “equivalência dinâmica” procuram saber se, por si só, esse modelo é suficientemente amplo e dinâmico para fornecer toda a orientação necessária. A analogia entre a tradução da Bíblia e a formação de igrejas não é exata. Na primeira o tradutor controla o processo e, quando a tarefa está completa, é possível fazer uma comparação dos dois textos. Na última, entretanto, o original para o qual se procura um equivalente não é um texto pormenorizado, mas uma série de relances da igreja primitiva em ação, tornando a comparação mais difícil e, ao invés de um tradutor que tudo controla, toda a comunidade da fé precisa ser envolvida. Além disso, o tradutor procura ser objetivo, mas quando a igreja local procura relacionar-se convenientemente com a cultura local, a objetividade torna-se quase impossível. Em muitas situações ela fica no meio de “umconfronto entre duas civilizações” (a de sua própria sociedade e a dos missionários). Além disto, ela pode encontrar muita dificuldade ao atender às vozes conflitantes da comunidade local. Alguns clamam por mudança (em termos de alfabetização, educação, tecnologia, medicina moderna, industrialização etc), enquanto outros insistem na conservação da velha cultura e resitem à chegada de uma nova era. Pergunta-se se o modelo de “equivalência dinâmica” é dinâmico o bastante para fazer face a esse tipo de desafio.

O teste deste ou qualquer outro modelo, criado com a finalidade de ajudar as igrejas a se desenvolverem adequadamente, está nele poder habilitar o povo de Deus a captar em seu coração e mente o grande desígnio do qual sua igreja há de se a expressão local qualquer modelo só apresenta uma visão parcial. As igrejas locais, em última instância, precisam confiar na presença dinâmica do Senhor Vivo da história. Pois é ele que guiará seu povo em todas as eras, a fim de que desenvolva sua vida eclesiástica de maneira que obdeça às instruções por ele dadas na Escritura e reflita os bons elementos de sua cultura local.

c. A liberdade da igreja

se cada igreja deseja desenvolver-se criativamente de modo que se encontre e expresse a si mesma, é preciso que ela seja livre para fazê-lo. Esse é um direito inalienável que ela tem pois toda igreja é igreja de Deus. Unida a Cristo ela é uma morada de Deus através de seu Espírito (Ef 2:22). Algumas missões e missionários têm demorado a reconhecer isso, e em a eitar suas implicações na direção de formas autóctones e de um ministério exrercido por cada membro. Essa é uma das muitas causas que têm levado à formação de Igrejas Independentes, notadamente na África, as quais procuram novas formas de auto-expressão em termos de cultura local.

Embora líderes de igrejas locais também tenham algumas vezes impedido o desenvolviemnto autóctone, a culpa maior se encontra em outra parte. Não seria justo generalizar. A situação sempre foi diversificada. Em gerações mais antigas houve missões que nunca manifestaram um espírito de domiação. Neste século têm surgido algumas igrejas que nunca foram submetidas a controle missionário, gozando de autonomia desde o início. Em outros casos, as missões têm desistido inteiramente do poder que exerciam, de modo que algumas igrejas fundadas por elas são agora plenamente autônomas, e muitas missões trabalham hoje em genuína parceria com as igrejas.

Mas isso não diz tudo. Outras igrejas ainda são quase completamente impedidas de desenvolverem sua própria identidade e programa por políticas ditadas de longe, pela introdução e continuação de tradições estrangeiras, pelo emprego de liderança estrangeira, por processos alienígenas de tomada de decisão e, especialmente, pela manipulação do dinheiro. Os que mantêm tal controle podem ainda estar genuinamente inconscientes da forma pela qual seus atos são considerados e experimentados no ouro lado. Podem ser considerados pelas igrejas em questão como tirania. O fato de que isso não é proposital, nem mesmo percebido, ilustra perfeitamente como todos nós (quer saibamo-lo ou não) nos envolvemos na cultura que fez de nós o que somos. Opomo-nos resolutamente a essa “estrangeirice”, onde quer que exista, como sério obstáculo à maturidade e missão, e como forma de dissipar o Espírito Santo de Deus.

Foi como um protesto contra a continuidade do controle estrangeiro que, alguns anos atás, foi feito um apelo para que se retirassem todos os missionários dos campos de missão. Neste debate, alguns de nós procuram evitar a palavra “moratória”, porque ela se tornou um termo emotivo e algumas vezes revela um ressentimento contra o próprio conceito de “missionário”. Entretanto, há outros que desejam reter a palavra a fim de enfatizar a verdade que ela expressa. Apra nós, ela significa não uma rejeição de dinheiro e pessoal missionário em si mesmos, mas só de seu mau uso, que sufoca a iniciativa local. Todos nós concordamos com a declaração do Pacto de Lausanne de que “uma redução do número de missionários estrangeiros e de verba... pode às vezes ser necessária para ensejar o crescimento da igreja nacional na área da autoconfiança...” (§9º).

d. A missão e as estruturas de poder

O que acabamos de escrever faz parte de um problema muito mais amplo, que não podemos ignorar. O mundo contemporâneo não consiste em sociedades atomizadas e isoladas mas sim num sistema global inter-relacionado de macroestruturas econômicas, políticas tecnológicas e ideológicas que sem dúvida alguma resulta em muita exploração e opressão.

O que isso tem a ver com a missão? E por que levantamos essa questão aqui? Em parte porque se trata do contexto dentro do qual o evangelho deve ser pregado a todas as nações hoje. Em parte também porque quase todos nós ou pertencemos ao Terceiro Mundo, ou vivemos e trabalhamos lá, ou já o fizemos antes, ou ainda porque já visitamos alguns países do Terceiro Mundo. Vimos com nossos próprios olhos a pobreza das massas, sentimos com elas e por elas, e temos consciência de que sua situação se deve em parte a um sistema econômico controlad, na maior parte, pelos países do Atlântico Norte (embora outros agora estejam envolvidos também). Aqueles dentre nós que são cidadãos da Amédica do Norte ou da Europa não devem evitar um certo em baraço ou constrangimento em virtude da opressão que nossos países, em graus diversos têm desenvolvido. Naturalmente sabemos que hoje há opressão em muitos países, muitas vezes com grande sacrifício pessoal. Contudo, é preciso confessar que alguns missionários refletem em si mesmos uma atitude neocolonial e, inclusive, a defendem, juntamente com os postos avançados da força e da exploração ocidentais, tal como na África do Sul.

Sendo assim, o que deveríamos fazer? A única resposta honesta é dizer que não sabemos. A crítica de gabinete cheira a hipocrisia. Não temos soluções prontas a oferecer para um problema mundial como esse. Na verdade, sentimos que nós mesmos somos viítimas do sistema. E, no entanto, somos parte dele. De maneira que só podemos fazer alguns comentários.

Primeiro, o próprio Jesus se identificava constantemente com os pobres e os fracos. Aceitamos a obrigação de seguir suas pegadas nesse assunto, como em todos os demais. Pelo menos, através do amor que ora e dá, pretendemos fortalecer nossa solidariedade para com eles.

Porém, o que Jesus fez foi mais que uma obra de auto-identificação. Em seu ensinamento, bem como no dos apóstolos, o corolário das boas novas aos oprimidos foi uma palavra de juízo contra o opressor (p.ex. Lc 6:24-26; Tg 5:1-6). Confessamos que, em situações econômicas complexas não é fácil identificar os opressores, a fim de denunciá-los, sem cair numa retórica estridente que não leva a lugar algum. Não obstante, concordamos em que há ocasiões em que nosso dever de cristãos é falar, de alto e bom som, contra a injustiça, em nome do Senhor que é o Deus da justiça tanto quanto da justificação. Nele procuraremos a coragem e sabedoria para agirmos assim.

Terceiro, esta Consulota expressou sua preocupação sobre o sincretismo nas igrejas do Terceiro Mundo. Mas não nos esquecemos de que as igrejas ocidentais caem no mesmo pecado. De fato, a forma mais insidiosa de sincretismo no mundo de hoje talvez seja a tentação de mesclar um evangelho privatizado de perdão pessoal com uma atitude mundana (ou mesmo demoníaca) para com a riqueza e o poder. Não estamos nós mesmos isentos de culpa nesse assunto. Mas desejamos ser cristãos integrados, para os quais Jesus seja realmente Senhor de tudo. De maneira que nós, que pertencemos ao Ocidente, ou somos oriundos dele, precisamos examinar a nós mesmos e procurar nos libertar do sincretismo ao estilo ocidental. Concordamos que: “A salvação que afirmamos usufruir deve produzir em nós uma transformação total, em termos de nossas responsabilidades pessoais e sociais. A fé sem obras é morta” (Pacto de Lausanne, §5º).

  1. O risco do provincianismo

Salientamos que é preciso deixar a igreja se naturalizar, e “celebrar, cantar e dançar” o evangelho em seu próprio meio cultural. Ao mesmo tempo, queremos alertar contra os riscos desse processo. Algumas igrejas em todos os seis continentes, vão além de uma grata e jubilosa descoberta de sua herança cultural local e se tornam jactanciosas e dogmáticas acerca dela (espécie de chauvinismo), ou chegam a absolutizá-la (forma de idolatria). Mais freqüentemente que ambos os extremos, entretanto, é o “provincianismo”, isto é, o recolhimento radical à sua própria cultura, de maneira que se separam do resto da igreja e do mundo em geral. Essa é uma postura comum nas igrejas ocidentais, bem como no Terceiro Mundo. Ela nega o Deus da criação e da redenção. É como proclamar nossa própria liberdade, quando estamos caindo em outro tipo de servidão. Chamamos a atenção para as três razões principais por que deveríamos evitar semelhante atitude.

Primeiro, cada igreja é parte da igreja universal. O povo de Deus, através de sua graça, forma uma única comunidade multi-racial, multi-nacional e multi-cultural. Essa comunidade é a nova criação de Deus, sua nova humanidade em que Cristo aboliu todas as barreiras (ver Ef 2 e 3). Não há, portanto, lugar para o racismo na sociedade cristã, ou para o tribalismo, quer seja na forma africana, quer seja na forma das classes sociais européias, ou no sistema de castas indiano. Apesar das falhas da igreja, essa visão de uma comunidade supra-étnica do amor não é um ideal romântico, mas um mandamento do Senhor. Por isso, enquanto nos regozijamos em nossa herança cultural e no desenvolvimento de nossas próprias formas autônomas, devemos nos lembrar de que nossa identidade primária como cristãos não está em nossa cultura particular, mas no único Senhor e em seu único corpo (Ef 4:3-6).

Segundo, cada igreja adora o Deus vivo da diversidade cultural. Se agradecemos a ele por nossa herança cultural, devemos fazê-lo em prol das outras também. Nossa igreja nunca deveria se prender tanto à sua cultura, de maneira que os visitantes de outra cultura não se sentissem bem-vindos. Na verdade, cremos que seria enriquecedor para os cristãos se tivessem a oportunidade de desenvolver uma existência bicultural ou mesmo multicultural, como o apóstolo Paulo, que era ao mesmo tempo um hebreu dos hebreus, mestre da língua grega e cidadão romano.

Terceiro, toda igreja deveria participar de um companheirismo “no tocante a dar e receber” (Fp 4:15). Nenhuma igreja é, ou deveria ser, auto-suficiente. De maneira que todas as igrejas desenvolveriam entre si relações de oração, companheirismo, intercâmbio de ministério e cooperação. Visto que partilhamos as mesmas verdades centrais (incluindo o senhorio supremo de Cristo, a  autoridade da Escritura, a necessidade de conversão, confiança no poder do Espírito Santo, e as obrigações de santidade e testemunho), deveríamos procurar a comunhão de forma decidida e aberta,e não timidamente. Deveríamos também partilhar nossos dons e ministérios espirituais, nosso conhecimento, nossas habilidades, experiências e recursos financeiros. O mesmo princípio se aplica às culturas. Uma igreja necessita ser livre para rejeitar formas culturais alienígenas e desenvolver formas próprias. Também precisa ser livre para receber de outras culturas. Nisso consiste a maturidade.

Um exemplo disso diz respeito à teologia. Testemunhas transculturais não devem tentar impor uma tradições teológica já pronta à igreja em que servem, seja através do ensino pessoal, seja através de literatura ou do controle de currículos dos seminários e escolas bíblicas. Pois toda a tradição teológica tanto contém elementos biblicamente questionáveis e eclesiasticamente divisionistas, como omite elementos que, embora não tenham conseqüência no país de origem, podem ser de grande importância em outros contextos. Ao mesmo tempo, embora os missionários não devam impor sua própria tradição a outros, tampouco devem negar-lhes acesso a ela (na forma de livros, confissões, catecismo, liturgias e hinos), uma vez que, sem dúvida, ela representa uma rica herança de fé. Além disso, embora não se deva exportar as controvérsias teológicas das velhas igrejas para as novas, uma compreensão dos problemas e da obra do Espírito Santo na história da doutrina cristã serviria para protegê-las contra a repetição inútil das mesmas lutas.

Assim, deveríamos procurar com igual cuidado, evitar tanto o imperialismo quanto o provincianismo teológicos. A teologia de uma igreja deveria ser desenvolvida pela comunidade da fé a partir da Escritura, em interação com outras teologias do passado e o presente e com a cultura local e suas necessidades.



  1. O risco do sincretismo

Assim que a igreja começa a expressar sua vida em formas culturais locais, é logo obrigada a enfrentar o problema dos elementos culturais que são maus ou padecem de más associações. Como a igreja deveria reagir a isso? Elementos que são intrinsecamente falsos ou maus, inegavelmente não podem ser assimilados ao Cristianismo sem cair no sincretismo. Esse é um rico de todas as igrejas em todas as culturas. Se o mal, entretanto, estiver somente na associação, julgamos correto “batizá-lo” em Cristo. É o princípio em que William Booth operou, quando adaptou letras cristãs a músicas populares, indagando por que é que o diabo everia ficar com as melhores canções. Assim é que, agora, muitas igrejas africanas usam tambores para chamar as pessoas ao culto, embora antes fossem inaceitáveis por sua associação a danças guerreiras e ritos mediúnicos.

Esse princípio, contudo, levanta problemas. Numa reação contra a presença estrangeira, pode ocorrer um flerte inconveniente com o elemento demoníaco da cultura local. Assim a igreja, sendo antes e acima de tudo serva de Jesus Cristo, deve aprender a examinar toda cultura, seja estrangeira ou local, à luz do senhorio de Cristo e da revelação de Deus. Quais as diretrizes, portanto, que levam uma igreja a aceitar ou rejeitar traços culturais no processo de contextualização? Que faz ela para impedir ou detectar e eliminar a heresia (ensino falso) e o sincretismo (a incorporação de coisas prejudiciais da velha maneira de vida)? Que faz ela para se proteger da ameaça de se tornar uma “igreja do povo”, em que a igreja e a sociedade são virtualmente sinônimos?

Um dos modelos qu estudamos é o da igreja de Bali, na Indonésia, que agora tem cerca de 40 anos. Sua experiência forneceu as seguintes orientações:

Inicialmente a comunidade dos crentes examinou as Escrituras e aprendeu com elas muitas verdades bíblicas importantes. Observaram então que outras igrejas (p.ex. ao redor do mediterrâneo) usavm a arquitetura para simbolizar a verdade cristã. Isso foi imporante porque os balineses têm uma acentuada inclinação para o “visual”, e estimam muito os símbolos. Assim, decidiram expressar sua afirmação de fé na Trindade num teto de três fileiras, estilo balinês, para suas igrejas. Inicialmente, o símbolo foi objeto de estudo do conselho de anciãos, o qual, tendo considerado tanto fatores bíblicos como culturais, recomendou-o às congregações locais.

A detecção e eliminação da heresia seguiu um padrão semelhante. Quando os crentes suspeitavam de um erro na vida ou no ensino, comunicavam-no a um ancião, que o encaminhava por sua vez, ao Conselho. Tendo examinado a matéria, este passava suas recomendações às igrejas locais, que tinham a palavra final.

Qual foi a mais importante salvaguarda da igreja? A essa pergunta a resposta foi: “Cremos que Jesus Cristo é Senhor de todas as potências”. Pregando seu poder, o mesmo ontem, hoje e para sempre, insistindo em todas as ocasiões na natureza normativa das Escrituras, confiando aos anciãos a obrigação de refletir sobre a Escritura e a cultura, rompendo todas as barreiras que dificultam a comunhão, e incluindo nas estruturas da igreja o catecismo, as formas artísticas, o drama, etc., como constantes lembretes da exaltada posição de Jesus Cristo, sua igreja tem sido preservada em verdade e santidade.

Às vezes, em diferentes partes do mundo, um elemento cultural ao ser adotado pode perturbar profundamente consciências supersensíveis, especialmente de novos convertitos. É esse o problema do “irmão mais fraco”, sobre o qual Paulo escreve em conexão com carnes oferecidas aos ídolos. Uma vez que os ídolos nada eram, o próprio Paulo tinha liberdade de consciência para comer tais carnes. Mas, por amor aos cristãos “mais fracos”, dotados de uma consciência demasiadamente sensível, que se sentiriam ofentidos vendo-o comer delas, absteve-se de fazê-lo, pelo menos nas situações específicas em que tal ofensa pudesse de fato ocorrer. Esse princípio pode ser aplicado ainda hoje. A Escritura leva a consciência a sério e recomenda que não a violentemos. É preciso educá-la para que ela fique “forte”, mas enquanto permanece “fraca” é preciso respeitá-la. Uma consciência forte nos tornará livres, mas o amor limita a liberdade.



  1. A influência da igreja sobre a cultura

Deploramos o pessimismo que leva alguns cristãos a reprovar o engajamento cultural ativo no mundo, bem como o derrotismo que persuade outros de que nenhum bem poderiam fazer nestas atividades, e que, portanto, deveriam esperar imóveis que Cristo conserte as coisas quando voltar. Muitos são os exemplos históricos, tirados de diferentes épocas e países, que poderiam ser dados da poderosa influência que, coma ajuda de Deus, a igreja tem exercido numa cultura predominante, purificando-a, reivindicando-a e embelezando-a para Cristo. Embora todas as tentativas até aqui feitas nesse sentido tenham tido seus defeitos, isso não prova que estes empreendimentos não deveriam ter sido realizados.

Preferimos, entretanto, fundamentar a responsabilidade cultural da igreja na Escritura e não na história. Lembremo-nos de que nossos semelhantes foram feitos à imagem de Deus, e que nos foi recomendado honrá-los, amá-los e servir a eles em todas as esferas da vida. A esse argumento da criação de Deus acrescentamos outro: o de seu reino, que irrompeu no mundo através de Jesus Cristo. Toda autoridade pertence a Cristo. Ele é Senhor tanto do universo como da igreja. E nos enviou ao mundo para sermos sal e luz. Como sua nova comunidade, ele espera que permeemos a sociedade.

Assim, nosso papel é desafiar o mal e afirmar o bem; acolher e procurar promover tudo o que é sadio e enriquecedor na arte, na ciência, na tecnologia, na agricultura, na indústria, na educação, no desenvolvimento comunitário e bem-estar social; denunciar a injustiça e apoiar os impotentes e oprimidos; espalhar o evangelho de Jesus Cristo, que é a força mais liberalizante e humanizante do mundo, e empenharmo-nos ativamente nas boas obras do amor. Embora, tanto nas atividades sócio-culturais como na evangelização, os resultados devam ficar com Deus, confiamos em que ele abençoará nossos esforços e fará uso deles para desenvolver em nossa comunidade uma nova consciência do que é “verdadeiro, digno, justo, puro, amável e honesto” (Fp 4:8, BLH). Naturalmente, a igreja não pode impor padrões cristãos a uma sociedade que se mostre indisposta contra eles, mas pode recomendá-los tanto pelo argumento como pelo exemplo. Tudo isso trará glória a Deus e, para nossos semelhantes, que ele criou e ama, uma experiência cada vez maior de uma vida realmente humana. Como o Pacto de Lausanne colocou a questão: “As igrejas devem se empenhar em enriquecer e transformar a cultura local, tudo para a glória de Deus” (§ 10).

Apesar disso, o otimismo ingênuo é tão tolo como o pessimismo total. Em lugar de ambos procuramos um sóbrio realismo cristão. Por um lado, Jesus Cristo reina; por outro, ainda não destruiu as forças do mal: elas ainda provocam alvoroço. Assim, em toda cultura os cristãos se acham numa situação de conflito e quase sempre de sofrimento. Somos chamados a lutar contra as forças cósmicas “desta época de escuridão” (Ef 6:12 BLH). E assim precisamos uns dos outros. É necessário que todos nós vistamos a armadura de Deus, especialmente a arma poderosa da oração da fé. Também lembramos as advertências de Cristo e seus apóstolos, segundo as quais antes do fim haverá uma explosão sem precedentes de perversidade e violência. Alguns eventos e processos no mundo contemporâneo indicam que o espírito do Anticristo, que está por vir, já se acha em aça, não só em países não-cristãos, mas também em nossa própria sociedade parcialmente cristianizada, e mesmo nas próprias igrejas. “Portanto, rejeitamos como sendo apenas um sonho orgulhoso e autoconfiante a idéia de que o homem possa algum dia construir uma utopia neste mundo” (Pacto de Lausanne, §15), considerando uma fantasia sem fundamento a idéia de que a sociedade venha a se tornar perfeita.

Ao invés disso, enquanto energicamente trabalhamos na terra, esperamos com jubilosa antecipação o retorno de Cristo, e os novos céus, bem como a nova terra, em que a justiça habitará. Pois então não só será transformada a cultura, à medida que as nações trouxerem sua glória à Nova Jerusalém (Ap 2:24-26), como será libertada toda a criação da presente servidão à futilidade, decadência e sofrimento, de maneira a poder participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus (Rm 8:18-25). Então, finalmente, todo joelho se dobrará diante de Cristo, e toda língua proclamará abertamente que ele é Senhor para a glória de Deus pai (Fp 2:9-11).

Tópicos para Discussão

  1. Sua igreja local é “livre” para desenvolver sua própria identidade? Se não, que forças a estão impedindo? Veja a Seção 8 (a até d).
  2. A Seção 8d tem algumas coisas duras a dizer somre “estruturas de poder”. Você concorda com elas? Se positivo, você pode fazer alguma coisa a respeito?
  3. Tanto o “provincianismo” (8e) como o “sincretismo” (8f) são equívocos de uma igreja que tenta expressar sua identidade em formas culturais locais. Sua igreja está cometendo qualquer um dos dois erros? Que fazer para evitá-los sem repudiar a cultura local?
  4. Deveria a igreja de seu país fazer algo mais para “transformar e enriquecer” sua cultura nacional? Em caso afirmativo, de que maneira?
Extraido do livro O evangelho e a cultura pág 34-45

ABU Editora e Visão Mundial.

Traduzido do original em inglês
THE WILLOWBANK REPORT
Copyright (c) 1978 Comissão de Lausanne para a
Evangelização Mundial, 186 Kennington Park Road,
Londres SE11 4BT, Inglaterra

1ªEdição em português – 1983

Publicado conjuntamente por
ABU Editora S-C e Visão Mundial
Com a autorização da Comissão de Lausanne
Todos os direitos reservados

Tradução de José Gabriel Said

Relatório da reunião de Consulta
realizada em Willowbank, Somerset Bridge, Bermudas,
entre 06 e 13 de janeiro de 1978.
Patrocinada pelo Grupo de Teologia e Educação de Lausanne

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